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Wednesday, January 31, 2007

Eliana Mora

Prece

Preciso do veludo
dos teus cílios
da maciez
e da audácia do
teu cheiro
da embriaguez
que vem da
tua boca

Preciso te tocar
preciso voltar
a ouvir
o som
do teu corpo

Monday, January 29, 2007

Receita de Vida - Tripolli - Quase Todos Meus Amores.

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"Misture Prince com Piazzola,

Uma boa mulher
Um bom amigo
Vinho tinto em pequenos goles
Entremeados com goles de "grappa"
Não olhe o relógio
Conte histórias cheias de belas mentiras
Fascine e se deixe fascinar
Aprenda a dizer não
Misture tudo"



.
A rotina.
.



Perfumes narinas ofegantes
a noite se estende nestas ruas,
portas de fechaduras antigas,
escadas degraus para o nada.
A cama
aflita cama vitrola do lado,
disco de outros tangos,
amores tardios,
a paixão de todas as mortes,
o corpo branco
os pêlos amassados
o sexo se abre
no meio das pernas,
gritos por dentro,
o gemido do avesso,
sem gozo
sem gosto
sem nome
sem organdi, a meia de náilon preta
da Mesbla,
manequim invisível
que caminha pela São João
com sapatos ausentes
até o ponto no Largo do Arouche
em frente à floricultura.

Álvaro Alves de Faria



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Mário de Sá-Carneiro
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Álcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo ---
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante ---
Manhã tão forte que me anoiteceu.


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Karma.
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Quando em plena noite acordo,
vejo-o sentado em minha cama, imóvel.
Seu negro olhar profundo,
eterno e meigo olhar de quem não é do mundo
e traz ainda a visão de esferas inefáveis,
pousa tranqüilo em mim, como um frio epitáfio numa lousa.
Dir-se-ia o olhar de um irmão ou de uma esposa
que assim me espreita e me protege, em meio ao sono,
dos sortilégios do demônio ou de algum gnomo
surgido, há séculos, da estranha fantasia
de um antepassado cabalista.
(...)
É bem possível que esse estranho ser
não seja para mim um ser estranho, e sim
a imagem dos que viveram minha vida antes de mim.”

Campos de Carvalho


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Claudio Willer
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Mensagem


Desde que mudamos
transamos conversamos
trabalhamos choramos & mijamos juntos
eu acordo pela manhã
com um sonho nos meus olhos
mas você partiu para NY
lembrando-se de mim Bom
eu te amo eu te amo
& teus irmãos são loucos
eu aceito seus casos de bebedeira
Há muito tempo tenho estado só
há muito tempo tenho estado na cama
sem ninguém a quem pegar no joelho,
...
eu quero o amor nasci para isso quero você comigo agora
Transatlânticos fervem no oceano
Delicados esqueletos de arranha-céus não terminados
A cauda do dirigível roncando sobre Lakehurst
Seis mulheres nuas dançando juntas num palco vermelho
As folhas agora estão verdes em todas as árvores de Paris
Chegarei em casa daqui a dois meses e olharei nos teus olhos


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Moçambique
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Nunca É Tarde

Quando no cais só fica ancorada
A indiferença e já não resta nada
Senão as ilusões a que te agarras.

Ouve a voz inefável das guitarras
Tingindo de paixão a madrugada
No fim duma viagem povoada
Do canto indecifrável das cigarras.

Saberás então que ha' sempre um começo
No profano rio em que a vida arde,
E é nessa maré' viva que estremeço.

Mas, ainda que saibas que nunca é tarde,
Não tardes, que sem ti eu anoiteço,
E não peças jamais ao rio que aguarde.

Antônio Tomé


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Cotidiano cor-de-rosa
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"Era uma manhã comum, azul e quente, de verão. Nos conformes, diria sua avó. Mas ela, inquieta, tinha fome do novo, do inesperado, do inaudito. Algo radical que subvertesse o dia. Talvez, um terremoto. A cidade e a vida, súbito, de pernas pro ar. A rotina enterrada nos escombros. A vida movida pela premência de sobreviver, literalmente. Sem metáforas. Riu. Que idéia! Devia ser TPM. Ou menopausa. E tratou de voltar à vida real e à galinha que começara a desossar para o almoço."

Na cozinha,
Márcia Maia



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"Estive doente
doente dos olhos, doente da boca, dos nervos até.
Dos olhos que viram mulheres formosas
da boca que disse poemas em brasa
dos nervos manchados de fumo e café.

Estive doente
estou em repouso, não posso escrever.
Eu quero um punhado de estrelas maduras
eu quero a doçura do verbo viver"

Anônimo.


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"Renda-se, como eu me rendi.
Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.
Não se preocupe em entender,
viver ultrapassa qualquer entendimento..."

Clarice Lispector


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Paulo Setúbal
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Só tu

Dos lábios que me beijaram,
Dos braços que me abraçaram
Já não me lembro, nem sei...
São tantas as que me amaram!
São tantas as que eu amei!

Mas tu - que rude contraste!
Tu, que jamais me beijaste,
Tu, que jamais abracei,
Só tu, nestalma, ficaste,
De todas as que eu amei.

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Coleccionador de Quimeras
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Quando as minhas angústias
começam a morder-me
ponho-lhes a trela
saio à rua a passea-las
e deixo-as ladrar
ao tédio transeunte.
Depois ponho-lhes asas
e deixo-as voar
como pássaros
em busca de primaveras
imprevisíveis.


António Tomé

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Cesário Verde
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A espaços, iluminam-se os andares,

E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos

Alastram em lençol os seus reflexos brancos;

E a lua lembra o circo e os jogos malabares.



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A VIDA É QUE NOS VIVE
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“ A vida humana
- na verdade toda a vida -
É poesia.

Nós a vivemos inconscientemente,
dia a dia,
fragmento a fragmento,
mas na sua totalidade
inviolável,
Ela é que nos vive! ”

Lou Andreas-Salomé


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Florbela Espanca
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Frémito do meu corpo...

Frémito do meu corpo a procurar-te,
Febre das minhas mãos na tua pele
Que cheira a âmbar, a baunilha e a mel,
Doido anseio dos meus braços a abraçar-te,

Olhos buscando os teus por toda a parte,
Sede de beijos, amargor de fel,
Estonteante fome, áspera e cruel,
Que nada existe que a mitigue e a farte!

E vejo-te tão longe! Sinto a tua alma
Junto da minha, uma lagoa calma,
A dizer-me, a cantar que me não amas...

E o meu coração que tu não sentes,
Vai boiando ao acaso das correntes,
Esquife negro sobre um mar de chamas.

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Por que indagas de poesia
.


eu falo em antropofagia
e tu devoras meus dedos
molha-os de beijos largos.

por que indagas de poesia?
a luz do sol cai em gotas
na cozinha ainda enfeitada de nós duas

ah estas taças de vinho tinto...
e nossos rostos se avizinham:
tua língua lambuza a minha.

eu me assusto? Sim. Meu amor.
tu argumentas: que há de errado?
que sei eu de tão formoso...?

teus cabelos tecem fios com os meus....
eu não distingo mais tua face:
...a tua antropofagia.

mas ao inverso do que eu dizia
seguras em mim – traço peculiar
em minha alma encantada
por ti

Safo.

Sexta-feira à noite...
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Sexta-feira à noite
Os homens acariciam o clitóris das esposas
Com dedos molhados de saliva.
O mesmo gesto com que todos os dias
Contam dinheiro, papéis, documentos
E folheiam nas revistas
A vida dos seus ídolos.

Sexta-feira à noite
Os homens penetram suas esposas
Com tédio e pénis.
O mesmo tédio com que todos os dias
Enfiam o carro na garagem
O dedo no nariz
E metem a mão no bolso
Para coçar o saco.

Sexta-feira à noite
Os homens ressonam de borco
Enquanto as mulheres no escuro
Encaram seu destino
E sonham com o príncipe encantado.

(Marina Colasanti)

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Luís
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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já foi coberto de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.

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Cemitério
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Este pó foram damas, cavalheiros,
Rapazes e meninas;
Foi riso, foi espírito e suspiro,
Vestidos, tranças finas.


Este lugar foram jardins que abelhas
E flores alegraram.
Findo o verão, findava o seu destino...
E como estes, passaram.

Emily Dickinson
Tradução de Manuel Bandeira.


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Débora
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« les mots ont des couleurs
changeant avec la lumière

on ne saurait les faire parler
que de l’instant.

les mots qui t’ont conquise
sont les mots qui te perdent »

Pierre Béarn

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ESPELHO: "Existe um ser que mora dentro de mim".

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"Um total estranho, num dia negro
Bateu, tirando de dentro de mim o inferno
E ele achou difícil o perdão porque
(assim se revelou) ele era eu mesmo -
Mas agora aquele demônio e eu
Somos amigos imortais".

E. E. Cummings


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Ítaca
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Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Cíclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Cíclopes,
nem o bravio Posídon há de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.

Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez em um porto
para correr às lojas dos fenícios
e belas mercadorias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
Às muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.

Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isto não lhe cumpre dar-te.

Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.

Konstantinos Kavafis






Vinheta Erótica
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Nua, mas para o amor não cabe o pejo.
Na minha a sua boca eu comprimia e, em frêmitos carnais, ela dizia:
- Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!
Na inconsciência bruta do meu desejo fremente, a minha boca obedecia.
Os seus seios, tão rígidos, mordia, fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos disse-me ela, ainda quase em grito:
- Mais abaixo, meu bem!
Num frenesi, no seu ventre pousei a minha boca.
- Mais abaixo, meu bem! Disse ela, louca.
Moralistas, perdoai! Obedeci...


Olavo Bilac


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De imagens e magias
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Fixo meu olho no teu olho e flagro uma
Sombra de mim queimando no teu olho.
Meu retrato afogado numa lágrima
Logo abaixo recolho.
Se entendesses de imagens e magias,
Com minhas imagens nas pupilas frias,
De quantos modos tu me matarias?

Tuas lágrimas sorvo doce humor,
E ainda que outras caiam, vou deixar-te;
Meu retrato se esvai, vai-se o temor
De ser enfeitiçado por tal arte;
Só reténs, afinal,
Minha imagem num único local:
Teu coração, livre de todo mal.

Magia Pela Imagem

John Donne (Outra tradução de Augusto de Campos)

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Augusto dos Anjos
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INTIMATE VERSES

No one attended, as you 've seen, your last
Chimera's awe-inspiring funeral.
Ingratitude — that panther — has been all
Your company, but it has been steadfast!

Get used to mud: soon it will hold you fast!
Man living among wild beasts on this foul
And sordid earth cannot resist the call
To turn himself as well into a beast.

Here, take a match. Now light your cigarette!
A kiss is but the eve of being spat,
A stroking hand, my friend, may stone you too.

If your great wound still saddens anyone,
Cast at that vile hand stroking you a stone,
Spit straight into the mouth that kisses you!


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Cântico Negro



‘Vem por aqui» — dizem-me alguns com olhos doces,
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui»!
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.

Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

Não, não vou por ai! Só vou por onde Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
Por que me repetis: «vem por aqui»?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada! O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas, e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátrias, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
Eu tenho a minha Loucura!
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
- Sei que não vou por aí!


José Régio


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Açores

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Augusta

A azáfama é enorme!
Corpos de olhar distante,
Submersos e deslocados.
Um a um, e por rotina,
Batem e chocam absortos
Na multidão solitária
Da rua que se despe,
Por detrás de qual biombo,
Onde se esconde a ansiedade.
Respiram extenuados
Gases, venenos fumados,
Monóxidas correntes, correntes
De toldos, gritos, pregões
De gente, de muitas gentes,
Numa osmose de ilusões! ... ... ...

José Armelim

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E. E. Cummings

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estrênua brevidade
Vida:
realejos e abril
treva, amigos
eu me lanço rindo.
Nas tintas fio-de-cabelo
da aurora amarela,
no ocaso colorido de mulheres

eu sorrisando
deslizo. Eu
na grande viagem escarlate
nado, dizendomente;

(Você sabe?) o
sim, mundo
é provavelmente feito
de rosas & alô:

(de atélogos e,cinzas)

(tradução: Augusto de Campos )


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De amores e de arte.
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"Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.

O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.

Uma coisa é a letra,
e outra o ato,

- quem toma uma por outra
confunde e mente."

Arte-Final - Affonso Romano de Sant'Anna


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Vinicius
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O Velho e a Flor

Por céus e mares eu andei
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber o que é o amor
Ninguém sabia me dizer
E eu já queria até morrer
Quando um velhinho com uma flor assim falou.

O amor é o carinho
É o espinho que não se vê em cada flor
É a vida quando
Chega sangrando
Aberta em pétalas de amor.



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Antigos venenos...
BAR
Haverá ainda pequenos bares vagabundos
Com carnes de Extremo-Oriente
Para abrigar o ano novo.

Pequenos bares com marinheiros lendários
Cujos cachimbos consumirão antigos venenos
Bares leves inflados de fumaças
Pequenos bares evanescentes à claridade da aurora.

Bares onde o sol e seu trajeto brilham
Na profunda laca avermelhada das taças;
Bares repletos da animação das mesas, e vidraças mortas
Onde estudantes não meterão o nariz.

Pois haverá outros venenos a corroer
A Árvore Viva de nossas fibras prestes a eclodir,
Há vinhos não secretados por vinhas terrestres
Tão violentos quanto catástrofes.

Salve, ó bar, que nos fornece venenos
E misérias, e dores e sustos
Lançando-nos na nudez de nossas almas
Em cais inacessíveis aos tormentos.

Um silêncio te guarda e nos protege
Silêncio onde não vem se perder a medicina,
Um silêncio que nos cura na morfina
Sem receitas, nem decretos.

ANTONIN ARTAUD

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Tudo passa
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In passim

"Tudo vai-se acabando, tudo passa
do que é ao que era; é tudo mais
ou menos uns vestígios de fumaça
no espaço do que deixas para trás.

E tudo o que deixaste ou deixarás
de manso ou de repente, sem que faça
diferença nenhuma no fugaz,
é assim como a garoa na vidraça:

intimações de lágrima delida.
Não valeu chorar nada. Nem te atrevas
a lamentar-te à porta da saída,

pois pouco importa a vida como a levas,
que ela te leva a ti, de despedida
em despedida, a uma lição de trevas".


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La mer et l'amour
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Et la mer et l'amour ont l'amer pour partage


Et la mer et l'amour ont l'amer pour partage,
Et la mer est amère, et l'amour est amer,
L'on s'abîme en l'amour aussi bien qu'en la mer,
Car la mer et l'amour ne sont point sans orage.

Celui qui craint les eaux qu'il demeure au rivage,
Celui qui craint les maux qu'on souffre pour aimer,
Qu'il ne se laisse pas à l'amour enflammer,
Et tous deux ils seront sans hasard de naufrage.

La mère de l'amour eut la mer pour berceau,
Le feu sort de l'amour, sa mère sort de l'eau,
Mais l'eau contre ce feu ne peut fournir des armes.

Si l'eau pouvait éteindre un brasier amoureux,
Ton amour qui me brûle est si fort douloureux,
Que j'eusse éteint son feu de la mer de mes larmes.


Pierre de Marbeuf



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Mário de Sá Carneiro
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Quase

Um pouco mais de sol - eu era brasa.
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

...

Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...


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Macau à uma hora da noite...
.
...

Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
...

Álvaro de Campos

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Paris at Night
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Français
Trois allumettes une à une allumées dans la nuit
La premiére pour voir ton visage tout entier
La seconde pour voir tes yeux
La dernière pour voir ta bouche
Et l'obscuritè tout entière pour me rappeler tout cela
En te serrant dans mes bras.

English
Three matches one by one struck in the night
The first to see your face in it's entirety
The second to see your eyes
The last to see your mouth
And the darkness all around to remind me of all these
As I hold you in my arms.


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Sentimento.
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Ensinamento


Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.


Adélia Prado.


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São Tomé e Principe
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Visão

Vi-te passar, longe de mim, distante,
Como uma estátua de ébano ambulante;
Ias de luto, doce toutinegra,
E o teu aspecto pesaroso e triste
Prendeu minha alma, sedutora negra;
Depois, cativa de invisível laço,
(O teu encanto, a que ninguém resiste)
Foi-te seguindo o pequenino passo
Até que o vulto gracioso e lindo
Desapareceu longe de mim distante,
Como uma estatura de ébano no ambulante.

Caetano Costa Alegre


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Madrigal
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Teu olhar é tão manso,
Tão de ardências febris desprevenido e leigo,
Tão suave, tão bom, tão cheio de descanso;
Tão sereno é teu beijo,
Tão leve, tão sutil o teu próprio desejo;
Tudo
Em ti é tão meigo.
Sentimentos e Carne, Olhar, Voz e Carinhos.
Que muita vez sentindo,
Junto de mim o teu aspecto lindo,
Que meu amor intenso,
Indômito, açulado, espera e espreita,
Penso
Que tu, Querida, tu, és toda feita
De arminhos
E veludo.
...
O sabor aromal do teu beijo sonoro,
Não me ficam nos lábios
Acídulos ressábios
Da ânsia sensual de onde a Volúpia espouca...

Só me fica na boca
A macia impressão de que beijo asas brancas.

Mário Pederneiras

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Vômito.
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... E ler, ler é o alimento de quem escreve. Várias vezes você me
disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não
gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir
o texto, mas alimente-se. Fartamente, Depois vomite. Pra mim, e isso
pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois,
claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma-a. Pode até sair uma
flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta.

E eu acho - e posso
estar enganado - que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é
que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? e não fique esperando
que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há
nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente. ...


Caio Fernando Abreu


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De H.M.S. Cormorant em Paranaguá -
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Minha casa não tem menores névoas que
as deste céu de inverno...
Solitário, passo aqui as longas noites e os longos dias.
Dei-me agora ao charuto,
De corpo e alma,
Debalde ali de um canto um beijo implora,
Como a beleza que o sultão despreza,
Meu cachimbo alemão abandonado.
Lancei-me ao desviver,
Gastei na insânia das paixões a minha vida inteira,
Qual o fervor da escuma na cachoeira
Quebrei os meus sonhos.
E do meio ao mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto.

(Rubem Fonseca)


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MALOCATÁRIO.
.



Soneto é um apertado apartamento
num vasto condomínio de inquilinos.
A mesma planta e vários seus destinos:
um drama urbano em cada pavimento.

Dois quartos, pouca luz e muito vento,
que podem ser alcovas ou cassinos,
paróquias parcas, clubes clandestinos,
abrigo do autor brega ou do briguento.

Agora virou zona, mas um dia
foi casa de família e regra tinha:
conversa só começa se o pai pia.

Além da comezinha escrivaninha,
só tem privada, cama, mesa e pia.
Sem sala, o papo acaba na cozinha.

Glauco Mattoso



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A noite anoitece, concretamente.
.

O Universo não é uma idéia minha.
A minha idéia de Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso."

Fernando Pessoa

.

O cortejo
.



Monotonias das minhas retinas...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...
Todos os sempres das minhas visões! "Bom giorno, caro."

Horríveis as cidades!
Vaidades e mais vaidades...
Nada de asas! Nada de poesia! Nada de alegria!
Oh! Os tumultuários das ausências!
Paulicéia - a grande boca de mil dentes;
e os jorros dentre a língua trissulca
de pus e de mais pus de distinção...
Giram homens fracos, baixos, magros...
Serpentinas de entes frementes a se desenrolar...

Estes homens de São Paulo,
Todos iguais e desiguais,
Quando vivem dentro dos meus olhos tão ricos,
Parecem-me uns macacos, uns macacos.

Mário Raul de Morais Andrade



.
.


nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas
E. E. Cummings. (tradução: Augusto de Campos)


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Cabo Verde
...


Podre de caminhar no asfalto desta cidade
Minha alma triste peregrina no nada,
E na luz diáfana dos meus olhos,
Rebentam exibições duma multidão
Apática, deambulando em
Futilidade.

A lua já morreu nos meus sonhos
E o mar que tanto amo, consumiu o seu azul
Nesta tristeza de homens fantasmas,
E crianças abandonadas na sua
Infância de quimeras.

Ilusoriamente
Insisto ver uma estrela,
Curar o paraíso ferido

Tchalê Figueira


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ARTE POÉTECA
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Bem no fundo da biblioteca
morava horrível poeta mongolóide.
Rimava fungo com resmungo
mofo com estofo
podridão com escuridão.
Guardava seus poemas numa lata velha.
Esquentava a sopa numa lata velha.
Amava, quando amava, uma puta velha.

Sebastião Nunes


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FUEGO MUDO
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A veces el silencio
convoca algarabías
parodias de coraje
espejismos de duende
tangos a contrapelo
desconsoladas rabias
pregones de la muerte
sed y hambre de vos

pero otras veces es
solamente silencio
soledad como un roble
desierto sin oasis
nave desarbolada
tristeza que gotea
alrededor de escombros
fuego mudo

Mario Benedetti

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- O Matador
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"Enquanto eu caminhava e olhava para meus sapatos fodidos, eu pensava que a vida e uma coisa engracada. Ela vai sozinha, como um rio, se voce deixar. Voce tambem pode botar um cabresto, fazer da vida seu cavalo. A gente faz da vida o que quer. Cada um escolhe sua sina, cavalo ou rio"

Patricia Melo


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Ritual do Chá
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"O primeiro gole é satisfação, o segundo, alegria, o terceiro, serenidade, o quarto, loucura, o quinto, êxtase."


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Rosa

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Acordei último. Alteado só se podia nadar no sol. Aí, quase que não se passavam mais os bandos de pássaros. Mesmo perfiz: que o dia ia dever ser bonito, firme. Chegou o Cavalcânti, vindo do Cererê-Velho, com recado: nenhumas novidades. Para o Cererê-Velho recambiei aviso: nenhumas novidades minhas também. O que positivo era, e do que os meus vigiadores do rededor davam confirmação. Antes, mesmo, por mais, que eu quisesse ficar previnido, o dia era de paz.
G.R.


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Acracia
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"Deixem-nos pôr a nossa fé no espirito eterno que destrói e aniquila somente porque é insondável e eterna a fonte criativa de toda a vida. A ânsia de destruir e também uma ânsia de criar." (Michael Bakunin)


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El miedo:
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“Una mañana, nos regalaron un conejo de Indias. Llegó a casa enjaulado. Al mediodía, le abrí la puerta de la jaula. Volví a casa al anochecer y lo encontré tal co.mo lo había dejado: jaula adentro, pegado a los barrotes, temblando del susto de la libertad”
E. Galeano



BRISE MARINE
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La chair est triste, hélas! et j´ai lu tous les
[ livres.
Fuir! là-bas fuir ! Je sens que des oiseaux sont
[ ivres
D´être parmi l´écume inconnue et les cieux!
Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux
Ne retriendra ce coeur qui dans la mer se
[ trempe
O nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe
Sur le vide papier que la blancheur défend
Et ni la jeune femme allaitant son enfant.
Je partirai ! Steamer balançant ta mâture,
Lève l´ancre pour une exotique nature!

Un Ennui, désolé par les cruels espoirs,
Croit encore à l´adieu suprême des mouchoirs!
Et, peut-être, les mâts, invitant les orages
Sont-ils de ceux qu´un vent penche sur les
[ naufrages
Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots...
Mais, ô mon coeur, entends le chant des
[ matelots!


Stéphane Mallarmé
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Naked Lunch.

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The method must be purest meat
and no symbolic dressing,
actual visions & actual prisons
as seen then and now.

Prisons and visions presented
with rare descriptions
corresponding exactly to those
of Alcatraz and Rose.

A naked lunch is natural to us,
we eat reality sandwiches.
But allegories are so much lettuce.
Don't hide the madness!

Allen Ginsberg
1954


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'Para Além de Bem e Mal'
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... Com a força do seu olhar intelectual e da sua penetração espiritual cresce a distância e, de certo modo, o espaço que circunda o homem: o seu mundo torna-se mais profundo, avistam-se continuamente estrelas novas, imagens novas e novos enigmas. Talvez tudo aquilo em que o olhar do espírito exercitou a sua sagacidade e profundeza tenha sido apenas um pretexto para este exercício, um jogo e uma criancice e infantilidade. E talvez um dia os conceitos mais solenes, os que provocaram maiores lutas e maiores sofrimentos, os conceitos de «Deus» e do «pecado», não signifiquem, para nós, mais do que um brinquedo e um desporto de criança significam para um velho, - e talvez o «velho homem» tenha, então, necessidade de um outro brinquedo ainda e de um outro desgosto, - por continuar a ser muito criança, eterna criança!

Friedrich Nietzsche

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On the road
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"The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desirous of everything at the same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn, like fabulous yellow roman candles exploding like spiders across the stars and in the middle you see the blue centerlight pop and everybody goes "Awww!"
- Jack Kerouac

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"Eu estou sempre aqui, olhando pela janela não vejo arranhões no céu nem discos voadores. Os céus estão explorados mas vazios. Existe um biombo de ossos perto daqui. Eu acho que estou meio sangrando. Eu já sei, não precisa me dizer. Eu sou um fragmento gótico. Eu sou um castelo projetado. Eu sou um slide no meio do deserto. Eu sempre quis ser isso mesmo. Uma adolescente nua, que nunca viu discos voadores, e que acaba capturada por um trovador de fala cinematográfica. Eu sempre quis isso mesmo: armar hieróglifos com pedaços de tudo, restos de filmes, gestos de rua, gravações de rádio, fragmentos de TV. Mas eu sei que os meus lábios são transmutação de alguma coisa planetária. Quando eu beijo eu improviso mundos molhados. Aciono gametas guardados. Eu sou a transmutação de alguma coisa eletrônica. Uma notícia de Saturno esquecida, uma pulseira de temperaturas, um manequim mutilado, uma odalisca andróide que tinha uma grande dor, que improvisou com restos de cinema e com seu amor, um disco voador." FFawcet



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Luísa Guesthouse's posts.

"I've seen things you people wouldn't believe.
Attack ships on fire off the shoulder of Orion.
I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser gate.
All those moments will be lost in time....
......Like tears in rain. ..."
Roy Batty



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ils aimaient la vie. Pour les uns, c’était la poésie, pour les autres, c’était l’humour, pour d’autres n’importe quoi, mais pour tous c’était l’amour. En souriant ils envisageaient la mort, mais c’était pour mieux dévisager la vie. Pour la rendre plus libre, plus belle, plus heureuse même. Beaucoup d’entre eux ont disparu. Mais grâce à eux, cette vie réelle, comme leurs rêves, continue. (Prévert, 1966)


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