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Monday, January 29, 2007

A rotina.
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Perfumes narinas ofegantes
a noite se estende nestas ruas,
portas de fechaduras antigas,
escadas degraus para o nada.
A cama
aflita cama vitrola do lado,
disco de outros tangos,
amores tardios,
a paixão de todas as mortes,
o corpo branco
os pêlos amassados
o sexo se abre
no meio das pernas,
gritos por dentro,
o gemido do avesso,
sem gozo
sem gosto
sem nome
sem organdi, a meia de náilon preta
da Mesbla,
manequim invisível
que caminha pela São João
com sapatos ausentes
até o ponto no Largo do Arouche
em frente à floricultura.

Álvaro Alves de Faria



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Mário de Sá-Carneiro
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Álcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo ---
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...

Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?

Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante ---
Manhã tão forte que me anoiteceu.


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