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Monday, January 29, 2007

Madrigal
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Teu olhar é tão manso,
Tão de ardências febris desprevenido e leigo,
Tão suave, tão bom, tão cheio de descanso;
Tão sereno é teu beijo,
Tão leve, tão sutil o teu próprio desejo;
Tudo
Em ti é tão meigo.
Sentimentos e Carne, Olhar, Voz e Carinhos.
Que muita vez sentindo,
Junto de mim o teu aspecto lindo,
Que meu amor intenso,
Indômito, açulado, espera e espreita,
Penso
Que tu, Querida, tu, és toda feita
De arminhos
E veludo.
...
O sabor aromal do teu beijo sonoro,
Não me ficam nos lábios
Acídulos ressábios
Da ânsia sensual de onde a Volúpia espouca...

Só me fica na boca
A macia impressão de que beijo asas brancas.

Mário Pederneiras

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Vômito.
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... E ler, ler é o alimento de quem escreve. Várias vezes você me
disse que não conseguia mais ler. Que não gostava mais de ler. Se não
gostar de ler, como vai gostar de escrever? Ou escreva então para destruir
o texto, mas alimente-se. Fartamente, Depois vomite. Pra mim, e isso
pode ser muito pessoal, escrever é enfiar um dedo na garganta. Depois,
claro, você peneira essa gosma, amolda-a, transforma-a. Pode até sair uma
flor. Mas o momento decisivo é o dedo na garganta.

E eu acho - e posso
estar enganado - que é isso que você não tá conseguindo fazer. Como é
que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? e não fique esperando
que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há
nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente. ...


Caio Fernando Abreu


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De H.M.S. Cormorant em Paranaguá -
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Minha casa não tem menores névoas que
as deste céu de inverno...
Solitário, passo aqui as longas noites e os longos dias.
Dei-me agora ao charuto,
De corpo e alma,
Debalde ali de um canto um beijo implora,
Como a beleza que o sultão despreza,
Meu cachimbo alemão abandonado.
Lancei-me ao desviver,
Gastei na insânia das paixões a minha vida inteira,
Qual o fervor da escuma na cachoeira
Quebrei os meus sonhos.
E do meio ao mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto.

(Rubem Fonseca)


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